Para a maioria das pessoas, a figura do historiador, em geral, é associada à de professores ou acadêmicos que passam horas do seu dia em instituições mantenedoras de acervos, em arquivos históricos públicos ou privados, em bibliotecas ou “em campo”, empenhados na produção do conhecimento histórico.
No entanto, nos últimos anos, uma nova perspectiva de atuação, ainda que tímida, vem alargando o horizonte profissional dos historiadores. Não estamos mais apenas nas salas de aula ou na academia, lecionando ou produzindo dissertações e teses de mestrado e doutorado – ressaltando, claro, que nossa presença sempre será fundamental nesses ambientes. Por mais improvável que possa parecer, hoje também encontramos espaço nas grandes empresas, mesmo que ainda sejamos poucos.
Estranhamento. Talvez seja essa, à primeira vista, a sensação que pode causar um historiador no “mundo corporativo”. O fato é que as empresas se apoiam cada vez mais na sua história para reforçar sua presença e relevância – seja em relação ao mercado em que atuam, seja com base na ideia de uma grande, sólida e perene corporação cujo legado se relaciona ao desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico brasileiro –, fortalecendo assim sua identidade, sua marca.
Toda essa preocupação das empresas no que diz respeito à preservação de sua memória abre portas para o historiador, que agora se vê capaz de desenvolver suas atividades fora das instituições culturais e dos órgãos públicos de preservação do patrimônio – arquivos, museus e bibliotecas, que, principalmente por falta de recursos, oferecem poucas oportunidades. Refiro-me aos centros de memória empresarial.
Toda essa preocupação das empresas no que diz respeito à preservação de sua memória abre portas para o historiador, que agora se vê capaz de desenvolver suas atividades fora das instituições culturais e dos órgãos públicos (...)
Não podemos esquecer que as empresas – para o bem ou para o mal – são parte da história e exercem transformações profundas numa sociedade. A instalação de uma fábrica, por exemplo, pode não apenas modificar a vida cotidiana de uma cidade, mas também criar uma cidade a partir dos núcleos habitacionais de seus primeiros empregados e – às vezes tendo como base até uma moeda própria – originar atividades econômicas locais, suprindo a distância de grandes centros urbanos. Não faltam casos como esse no Brasil.
Dependendo da atividade da empresa, a documentação que encontramos quando constituímos um centro de memória é, em muitos casos, riquíssima: são documentos – textuais, fotográficos, museológicos – que fascinam não apenas pesquisadores, mas todos que têm oportunidade de conhecê-los. Documentos que merecem nossa atenção como importantes acervos, como testemunho de parte da história do país.
As atividades realizadas nos centros de memória empresarial – normalmente ligados às áreas de comunicação e marketing das empresas – são comuns a qualquer instituição cultural: tratamento de documentação, pesquisa e registro histórico, elaboração de exposições e publicações. No entanto, em alguns casos, elas se alinham à rotina das organizações, colaborando na produção de conteúdo para mídias sociais, para a imprensa ou para campanhas internas e externas – e monitorando fatos históricos publicados em livros, jornais e revistas, desde que relacionados à empresa.
Interdisciplinares, as equipes que trabalham nos centros de memória empresarial são formadas geralmente por historiadores, cientistas sociais, arquivistas e bibliotecários. Mas profissionais de outras áreas – como arquitetos e técnicos em conservação e restauro – também são bem-vindos, dependendo das características do acervo sob sua guarda.
Para nós, historiadores, essa diversidade é fundamental, já que nos permite conhecer outras teorias e metodologias de tratamento documental, em especial. Embora haja importantes cursos de pós-graduação na área, são raros os programas de metodologia ou disciplinas básicas de arquivologia na graduação do bacharelado em história. Muitos dos historiadores ou graduados em outras áreas das ciências humanas que atuam em centros de memória têm seu primeiro contato com essas teorias e métodos na prática. Os cursos de história pouco ou nada abordam sobre o assunto – e o mesmo vale para conceitos básicos de gestão de bens culturais.
Sabemos que o caminho é longo, mas, pouco a pouco, os centros de memória empresarial conquistam seu espaço, e esperamos que despertem ainda mais o interesse de jovens e experientes historiadores – tanto o interesse acadêmico quanto aquele relacionado a uma nova perspectiva profissional. Já são significativas as iniciativas que abordam e discutem o tema – caso das Jornadas Culturais, realizadas pelo Itaú Cultural e pela Fundação Bunge, e do Fórum Permanente de Gestão do Conhecimento, Comunicação e Memória, desenvolvido pelo Instituto Votorantim.
Ainda há muito a ser feito, no entanto. É preciso que esse debate chegue aos cursos de graduação e faça parte da formação de futuros bacharéis de história e dos demais campos das ciências humanas. É necessária uma maior interação entre as áreas de conhecimento, para que juntos possamos alcançar um maior reconhecimento e estimular ainda mais os investimentos na preservação da memória empresarial.